Direitos do Representante Comercial na Falência da Representada
- Raquel Brum Pinheiro

- 5 de out.
- 10 min de leitura
A falência da empresa representada é uma das situações mais difíceis enfrentadas por representantes comerciais. Além da perda abrupta da fonte de renda, surge a incerteza sobre o recebimento de comissões atrasadas, verbas rescisórias e outros direitos trabalhados ao longo de meses ou anos de representação. Felizmente, a legislação brasileira oferece proteções importantes aos representantes comerciais nessas situações, e recentes decisões judiciais consolidaram e ampliaram significativamente esses direitos.
A Equiparação aos Créditos Trabalhistas: Uma Conquista Fundamental
A Lei 14.195/2021 trouxe uma mudança crucial para os representantes comerciais ao alterar o artigo 44 da Lei 4.886/65. Com essa modificação, ficou estabelecido que, no caso de falência ou recuperação judicial da representada, todas as importâncias devidas ao representante comercial serão consideradas créditos da mesma natureza dos créditos trabalhistas.
Isso significa que os valores devidos ao representante passam a ter prioridade no recebimento, classificando-se na Classe I (trabalhistas e equiparados) nos processos concursais, à frente de credores quirografários (fornecedores comuns) e tendo o mesmo tratamento privilegiado que os trabalhadores empregados recebem em processos falimentares.
O Que Inclui Essa Equiparação?
A lei é clara e abrangente ao especificar que todos os créditos relacionados à representação são equiparados aos trabalhistas, incluindo:
Comissões vencidas (já devidas e não pagas)
Comissões vincendas (futuras, decorrentes de contratos já firmados)
Indenização por rescisão (1/12 avos ou a prevista contratualmente)
Aviso prévio
Qualquer outra verba devida ao representante oriunda da relação de representação
Essa amplitude é fundamental, pois garante que o representante não perca nenhum dos seus direitos em razão da falência ou recuperação judicial da empresa. A jurisprudência tem aplicado essa regra de forma consistente, reconhecendo a natureza alimentar de todas essas verbas.
Pessoas Físicas e Pessoas Jurídicas: Todos Têm os Mesmos Direitos
Durante muito tempo, houve discussões sobre se a equiparação aos créditos trabalhistas se aplicaria apenas aos representantes comerciais pessoas físicas ou se também beneficiaria aqueles constituídos como pessoas jurídicas (empresas individuais, sociedades limitadas, etc.).
Essa dúvida foi definitivamente esclarecida em abril de 2025 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento do REsp 2.168.185/PI. A Terceira Turma do STJ, em decisão de relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, estabeleceu de forma categórica que os créditos dos representantes comerciais, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas, têm natureza alimentar e devem ser equiparados aos créditos trabalhistas.
Os Fundamentos da Decisão do STJ
O tribunal utilizou três argumentos principais para fundamentar essa equiparação ampla:
1. Interpretação literal da lei: A Lei 14.195/2021 não fez distinção entre pessoas físicas e jurídicas ao alterar o artigo 44 da Lei 4.886/65. Portanto, se o legislador não diferenciou, não cabe ao intérprete restringir a abrangência da norma, sob pena de criar discriminação não prevista em lei.
2. Realidade econômica: Um representante pessoa física pode ter múltiplos contratos de representação, enquanto um representante pessoa jurídica pode ser representante exclusivo de uma única empresa. Quando essa empresa vai à falência, o representante pessoa jurídica perde sua única fonte de renda, aproximando-se muito mais da situação de um empregado do que um representante com diversas representadas.
3. Natureza alimentar: Os valores devidos ao representante comercial têm caráter alimentar, independentemente da forma jurídica pela qual ele atua, pois servem para sustentar sua atividade profissional e, consequentemente, sua subsistência e a de sua família.
Aplicação pelos Tribunais Estaduais
O entendimento do STJ tem sido consistentemente aplicado pelos tribunais estaduais. O Tribunal de Justiça de São Paulo, no Agravo de Instrumento 2062884-94.2024.8.26.0000, julgado em julho de 2024, manteve a classificação do crédito de um representante comercial pessoa jurídica como trabalhista, citando precedentes do STJ e reforçando a natureza alimentar da atividade de representação comercial.
Essa uniformização jurisprudencial garante maior segurança jurídica aos representantes comerciais em todo o país, eliminando tratamentos diferenciados que antes existiam em alguns tribunais.
Como Funciona a Classificação na Falência - Direitos do Representante Comercial na Falência da Representada
Na falência, os créditos são classificados em diferentes categorias, cada uma com sua ordem de pagamento. A Lei 11.101/2005 (Lei de Falências e Recuperação Judicial) estabelece a seguinte ordem de prioridade:
Créditos extraconcursais (custas judiciais e despesas da massa falida)
Créditos trabalhistas e equiparados (até 150 salários mínimos por credor) — AQUI SE INCLUEM OS REPRESENTANTES COMERCIAIS
Créditos com garantia real (até o limite do bem gravado)
Créditos tributários
Créditos com privilégio especial
Créditos com privilégio geral
Créditos quirografários (credores comuns)
Créditos subordinados
Com a equiparação aos créditos trabalhistas, os representantes comerciais passam a figurar na Classe I, a segunda categoria mais privilegiada (logo após os créditos extraconcursais). Isso aumenta significativamente as chances de recebimento, já que o pagamento ocorre antes de quase todos os demais credores, incluindo bancos, fornecedores e até mesmo o próprio Fisco.
Limite de Valor: Atenção ao Teto de 150 Salários Mínimos
Um ponto crucial que merece atenção especial é o limite de valor. Assim como os créditos trabalhistas, os créditos dos representantes comerciais têm prioridade até o limite de 150 salários mínimos por credor.
O que isso significa na prática?
Se você tem a receber R$ 300.000,00 e o salário mínimo vigente é de R$ 1.412,00 (valor de 2024), o cálculo seria:
150 salários mínimos = R$ 211.800,00 (este valor tem prioridade como Classe I)
Diferença de R$ 88.200,00 (este valor é reclassificado como quirografário - Classe VII)
Essa reclassificação do excedente é importante porque os créditos quirografários geralmente recebem valores muito menores (quando recebem) e após o pagamento de todas as classes superiores. Por isso, é fundamental calcular corretamente o valor do seu crédito e entender como ele será dividido entre as classes.
Direitos Específicos na Recuperação Judicial
A Lei 14.195/2021 também trouxe regras importantes e específicas para os casos de recuperação judicial da representada. Além da equiparação aos créditos trabalhistas, a legislação estabelece garantias adicionais que protegem o representante.
Prazo de Pagamento Privilegiado
De acordo com o artigo 54 da Lei 11.101/2005, os créditos equiparados a trabalhistas na recuperação judicial devem ser pagos em condições mais favoráveis que os demais credores:
Prazo máximo de 1 ano para pagamento integral, OU
Até 30 meses se houver garantias reais ou fidejussórias, OU
Até 36 meses sem garantias, mas com correção monetária e juros
Essa regra impede que a empresa em recuperação judicial dilua excessivamente o pagamento dos representantes ao longo de muitos anos, como costuma fazer com fornecedores quirografários (que podem ter prazos de 10, 15 ou até 20 anos para recebimento).
Créditos Extraconcursais: Uma Proteção Adicional Importante
O parágrafo único do artigo 44 da Lei 4.886/65 estabelece uma proteção adicional que poucos representantes conhecem, mas que pode ser decisiva:
"Os créditos devidos ao representante comercial reconhecidos em título executivo judicial transitado em julgado após o deferimento do processamento da recuperação judicial, e a sua respectiva execução, inclusive quanto aos honorários advocatícios, não se sujeitarão à recuperação judicial, aos seus efeitos e à competência do juízo da recuperação."
O Que Isso Significa na Prática?
Se você ajuizou uma ação de cobrança contra a representada e obteve uma decisão judicial definitiva (transitada em julgado) após o deferimento da recuperação judicial, seu crédito não estará sujeito ao plano de recuperação. Você poderá executá-lo normalmente, penhorando bens da empresa, sem estar limitado aos descontos (deságios) e prazos longos impostos aos demais credores.
O Tribunal de Justiça de São Paulo aplicou essa regra no Agravo de Instrumento 2031950-90.2023.8.26.0000, julgado em julho de 2023. Neste caso, o TJSP admitiu a penhora de bens da empresa em recuperação judicial para pagar um crédito de representação comercial que foi reconhecido em sentença após o deferimento da recuperação, confirmando sua natureza extraconcursal.
Essa é uma ferramenta poderosa: se sua representada entrou em recuperação judicial e você ainda não tinha ajuizado ação de cobrança, pode ser vantajoso fazê-lo imediatamente. Se conseguir sentença transitada em julgado, terá chances muito maiores de receber integralmente e sem deságios.
Como o Representante Deve Proceder
Direitos do Representante Comercial na Falência da Representada. Diante da falência ou recuperação judicial da representada, o representante comercial deve adotar as seguintes providências com urgência:
1. Habilitação do Crédito
O primeiro passo é habilitar o crédito no processo de falência ou recuperação judicial dentro do prazo legal (geralmente 15 dias após a publicação do edital). Isso significa apresentar um pedido formal ao juízo falimentar informando os valores devidos e sua natureza.
A habilitação deve ser feita por meio de petição que contenha:
Identificação completa do representante credor (pessoa física ou jurídica)
Descrição detalhada dos valores devidos (comissões, indenizações, aviso prévio, etc.)
Documentos que comprovem a existência e o montante do crédito (contrato de representação, notas fiscais, boletos, extratos bancários, e-mails, relatórios de vendas)
Classificação expressa do crédito como equiparado a trabalhista (Classe I), mencionando o artigo 44 da Lei 4.886/65 e a Lei 14.195/2021
Se for pessoa jurídica, mencionar expressamente o precedente do STJ (REsp 2.168.185/PI)
2. Cálculo Correto do Valor
Calcule com precisão todos os valores devidos:
Comissões em atraso (com correção monetária e juros)
Comissões vincendas (de pedidos já realizados mas ainda não pagos)
Indenização de 1/12 avos (média das comissões dos últimos 12 meses multiplicada pelo número de anos de contrato)
Aviso prévio (se não foi concedido)
Qualquer outra verba contratual ou legal
Se o valor total ultrapassar 150 salários mínimos, especifique na habilitação que o excedente deve ser classificado como quirografário.
3. Impugnação da Lista de Credores
Após a habilitação de todos os credores, o administrador judicial ou o administrador da falência publica uma lista consolidada dos créditos. Se o seu crédito for classificado incorretamente (por exemplo, como quirografário em vez de trabalhista), você deve apresentar impugnação ou divergência no prazo legal (geralmente 10 dias).
Muitas empresas em recuperação ou falência ainda tentam classificar os créditos de representantes como quirografários, especialmente quando são pessoas jurídicas, alegando que não seriam equiparados a trabalhistas. Com o precedente do STJ de 2025, essa classificação incorreta deve ser contestada imediatamente, citando o REsp 2.168.185/PI e a jurisprudência do TJSP.
4. Acompanhamento Rigoroso do Processo
Os processos de falência e recuperação judicial costumam ser longos (podem durar 5, 10 ou mais anos) e complexos, com diversas fases e incidentes. É fundamental acompanhar atentamente:
Todas as publicações no Diário Oficial
Prazos para manifestações
Relatórios do administrador judicial
Propostas de venda de ativos
Distribuição de valores aos credores
Assembleias de credores
A perda de um prazo processual pode resultar na perda definitiva de direitos ou na preclusão de questões importantes.
5. Participação na Assembleia de Credores (Recuperação Judicial)
Na recuperação judicial, os credores são convocados para assembleia onde votam a aprovação ou rejeição do plano de recuperação apresentado pela empresa. Como credor da Classe I (trabalhista), o representante comercial terá direito a voto e poderá manifestar-se sobre as condições propostas.
Sua participação é importante porque:
Você pode negociar condições melhores de pagamento
Pode unir-se a outros credores para rejeitar planos abusivos
Pode propor modificações ao plano
Tem poder de voto que influencia o resultado da votação
Não deixe de comparecer ou de se fazer representar por advogado na assembleia.
6. Considere Ajuizar Ação Judicial Paralelamente
Se a recuperação judicial foi recentemente deferida e você ainda não tinha ajuizado ação de cobrança, considere fazê-lo imediatamente. Se conseguir sentença transitada em julgado, seu crédito será extraconcursal e não estará sujeito aos deságios e prazos do plano de recuperação, como explicado anteriormente.
Prazo Prescricional: Não Deixe o Tempo Passar
É fundamental estar atento ao prazo prescricional para cobrar os créditos. A própria Lei 4.886/65, em seu artigo 44, parágrafo único (redação dada pela Lei 14.195/2021), estabelece que prescreve em 5 anos a ação do representante comercial para pleitear a retribuição que lhe é devida.
Portanto, se você ficou sabendo da falência ou recuperação judicial da sua representada, não deixe o tempo passar. Quanto mais cedo você:
Habilitar seu crédito
Iniciar as medidas judiciais cabíveis
Apresentar impugnações necessárias
Acompanhar ativamente o processo
Maiores serão suas chances de recebimento integral e no menor prazo possível.
Diferença Entre Falência e Recuperação Judicial
É fundamental entender a diferença entre esses dois institutos, pois as estratégias e os procedimentos são distintos:
Falência
É a liquidação judicial da empresa. O patrimônio é vendido (alienado) para pagar os credores conforme a ordem de classificação estabelecida na Lei 11.101/2005. Características:
A empresa encerra suas atividades
O contrato de representação é automaticamente rescindido
Os bens são vendidos e o produto da venda é rateado entre os credores
O processo é conduzido por um administrador judicial
Geralmente resulta em recebimento parcial dos créditos (raramente há patrimônio suficiente para pagar todos)
Recuperação Judicial
É um procedimento que visa dar à empresa em crise a oportunidade de se reestruturar e superar suas dificuldades financeiras. Características:
A empresa continua funcionando
Os credores recebem conforme um plano aprovado em assembleia
O plano geralmente prevê descontos (deságios) e prazos longos de pagamento
O contrato de representação pode ou não continuar, dependendo da vontade das partes e das circunstâncias
Se o contrato for rescindido, o representante tem direito a todas as verbas rescisórias, classificadas como crédito trabalhista
Na recuperação judicial, é possível que a empresa consiga se recuperar e pague integralmente os credores ao longo do tempo. Na falência, isso é muito raro.
A Importância da Assessoria Jurídica Especializada
Processos de falência e recuperação judicial são extremamente complexos e repletos de peculiaridades técnicas. Algumas armadilhas comuns:
Classificação incorreta do crédito (como quirografário em vez de trabalhista)
Perda de prazos processuais cruciais
Falta de documentação adequada para comprovar o crédito
Não impugnação de listas de credores incorretas
Aceitação de planos de recuperação desvantajosos sem negociação
Não aproveitamento da regra dos créditos extraconcursais
Qualquer um desses erros pode resultar na perda total ou parcial dos direitos do representante, mesmo que ele tenha razão do ponto de vista material.
Por isso, é altamente recomendável contar com assessoria jurídica especializada em direito empresarial, insolvência e representação comercial. Um advogado experiente poderá:
Orientar sobre a melhor estratégia de habilitação do crédito
Calcular corretamente todos os valores devidos (comissões, indenizações, juros, correção)
Reunir e organizar a documentação probatória
Impugnar classificações incorretas
Acompanhar todas as fases do processo (são muitas publicações e prazos)
Representar o representante na assembleia de credores
Buscar acordos vantajosos quando possível
Avaliar a conveniência de ajuizar ação judicial paralela para obter crédito extraconcursal
Garantir que o precedente do STJ (REsp 2.168.185/PI) seja aplicado corretamente
O investimento em assessoria jurídica especializada costuma se pagar com o aumento das chances de recebimento e com a otimização dos valores recuperados.
Conclusão
A falência ou recuperação judicial da representada é uma situação difícil e angustiante, mas os representantes comerciais contam com proteções legais robustas e precedentes jurisprudenciais favoráveis. A equiparação aos créditos trabalhistas, confirmada pela Lei 14.195/2021 e consolidada pelo STJ em abril de 2025 no REsp 2.168.185/PI, garante prioridade significativa no recebimento e aumenta consideravelmente as chances de recuperar os valores devidos.
Seja você pessoa física ou pessoa jurídica, seus direitos são exatamente os mesmos. Comissões vencidas e vincendas, indenizações, aviso prévio e todas as demais verbas relacionadas à representação comercial têm natureza alimentar e devem ser classificadas como crédito trabalhista (Classe I) nos processos concursais.
Os tribunais brasileiros, liderados pelo STJ, têm aplicado essas regras de forma consistente, reconhecendo que o representante comercial, independentemente de sua forma de atuação, depende dessas verbas para sua subsistência, o que justifica o tratamento privilegiado.
Pontos essenciais a memorizar:
Seus créditos são equiparados a trabalhistas (Classe I)
Isso vale para PF e PJ (precedente do STJ)
O limite prioritário é de 150 salários mínimos
O prazo prescricional é de 5 anos
Créditos reconhecidos judicialmente após a recuperação são extraconcursais
Você deve habilitar seu crédito rapidamente e acompanhar ativamente o processo
O mais importante é agir rapidamente e de forma estratégica: habilite seu crédito no prazo legal, classifique-o corretamente como trabalhista, acompanhe rigorosamente o processo, impugne qualquer classificação incorreta e, se necessário, busque orientação jurídica especializada. Seus direitos estão protegidos por lei e pela jurisprudência consolidada, mas cabe a você tomar as providências necessárias para garanti-los efetivamente.
Não seja apenas mais um credor passivo que espera o processo terminar. Seja ativo, vigilante e assertivo na defesa dos seus direitos. A diferença entre receber e não receber pode estar nas atitudes que você tomar nos primeiros meses após tomar conhecimento da falência ou recuperação judicial.
Sua representada entrou em falência ou recuperação judicial e você precisa proteger seus direitos? Entre em contato conosco para uma avaliação completa da sua situação, orientação sobre como habilitar seu crédito corretamente, estratégias para maximizar suas chances de recebimento e aplicação dos precedentes mais recentes do STJ e tribunais estaduais a seu favor.





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